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AdC proíbe concentração Vodafone/Nowo por apresentar entraves significativos à concorrência e prejudicar os consumidores

04-07-2024

AdC proíbe concentração Vodafone/Nowo por apresentar entraves significativos à concorrência e prejudicar os consumidores

pessoa sentada em sofá a ver televisão e telemóvel

Comunicado 15/2024
04 de julho de 2024


A Autoridade da Concorrência (AdC) adotou uma decisão de proibição à aquisição pela Vodafone Portugal, S.A. (Vodafone) do controlo exclusivo sobre a Cabonitel, S.A., incluindo, em particular, sobre a Nowo Communications, S.A. (Nowo).
A AdC decidiu não autorizar a transação por considerar que a operação de concentração é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados relevantes identificados, prejudicando os consumidores.


I - Empresas envolvidas, Mercado e Avaliação

A Vodafone é uma operadora de comunicações eletrónicas multisserviço ativa em Portugal, onde fornece comunicações fixas e móveis, serviços de Internet fixa e móvel, serviços de televisão por subscrição e pacotes de telecomunicações. A Vodafone tem uma cobertura de rede nacional e presta serviços com recurso a infraestruturas próprias ou de terceiros.
A Nowo é uma empresa que oferece serviços de comunicações eletrónicas em Portugal Continental, incluindo voz fixa,  telecomunicações móveis (enquanto operador móvel virtual ou “MVNO”, com recurso à rede da Altice), acesso à Internet de banda larga a clientes residenciais, serviços de televisão por subscrição e pacotes de telecomunicações a clientes residenciais.
Ao contrário da Vodafone, a cobertura da rede fixa e banda larga da Nowo é limitada a determinadas regiões de Portugal Continental. A Nowo obteve recentemente, por via do leilão para atribuição de frequências 5G, espectro radioelétrico que lhe permitirá vir a desenvolver uma rede de telecomunicações móveis própria.
Em resultado das diligências de investigação, a AdC concluiu que a operação de concentração resultaria em impactos nefastos para os consumidores de telecomunicações em Portugal, decorrente, nomeadamente, do aumento do poder de mercado da Vodafone e dos seus principais concorrentes (i.e., efeitos unilaterais), do reforço das condições para o alinhamento de ofertas dos vários operadores (i.e., efeitos coordenados) e, ainda, do reforço das barreiras à entrada no mercado.

Caraterização do mercado no cenário prévio à concentração

A AdC procedeu, previamente à avaliação dos impactos prováveis da operação de concentração, a uma caraterização detalhada da indústria das telecomunicações em Portugal.
Do ponto de vista estrutural, verificou-se, por um lado, que os mercados de telecomunicações em Portugal são caracterizados por níveis de concentração elevados e heterogéneos ao longo do território continental e, por outro, que os períodos de fidelização e as ofertas em pacote reforçam as barreiras à mobilidade de clientes entre operadores e, consequentemente, reduzem os níveis de concorrência no setor e reforçam as barreiras à entrada e à expansão de novos operadores.
Por seu turno, identificou-se um nível significativo de paralelismo nas ofertas dos 3 principais operadores — MEO, NOS e Vodafone —, quer ao nível da tipologia das ofertas, quer dos respetivos tarifários.
Foi também possível identificar um conjunto de mecanismos e procedimentos através dos quais os três principais operadores mantêm esses paralelismos ou alinhamentos nas suas ofertas.
Para além da recolha de um vasto acervo de elementos sobre o mercado, incluindo documentação interna das empresas, a AdC procedeu ao desenvolvimento e implementação de um modelo econométrico da indústria, em que esta foi modelizada através de um modelo de equilíbrio estático, com concorrência em preços e produtos diferenciados.
Este modelo permitiu à AdC caracterizar, através de uma metodologia tecnicamente robusta, não só o atual equilíbrio de mercado, como, também, avaliar e quantificar os impactos prováveis da operação de concentração sobre os preços no mercado das telecomunicações em Portugal.
Em face de toda esta evidência, concluiu-se que o equilíbrio pré-concentração da indústria não corresponde a um equilíbrio competitivo de concorrência em preços num mercado oligopolista com 4 empresas, isto é, existem claros indícios de se estar em presença de um equilíbrio pré-concentração com um grau significativo de coordenação (equilíbrio cooperativo).
Neste cenário prévio à operação de concentração, todas as empresas apresentam um significativo poder de mercado, tendo a AdC estimado que o nível médio de preços das telecomunicações é superior, em cerca de 21%, ao que resultaria de um cenário de concorrência oligopolista com 4 empresas, o que corresponde a uma perda de excedente do consumidor e de bem-estar social na ordem, respetivamente, dos € 349 milhões e € 90 milhões por ano.

Efeitos Unilaterais decorrentes da operação de concentração

Em termos de efeitos unilaterais, considerando que a Nowo exerce uma pressão concorrencial relevante sobre os restantes operadores de mercado, a AdC estimou que da operação de concentração resultariam aumentos significativos de preços por via:

i. do aumento significativo dos preços dos produtos da Nowo (em média, aumentos de 55%, 21% e 14%, respetivamente nos serviços Móvel standalone, nas ofertas em pacote 3P e 4/5P);
ii. em menor medida, dos preços dos produtos da Vodafone (em média, aumentos de 2,8%, 3,9% e 3,1%, respetivamente nos serviços Móvel standalone, nas ofertas em pacote 3P e 4/5P, estes últimos na área do footprint da rede da Nowo)

iii. de forma marginal, dos preços dos restantes operadores de mercado.

Em resultado da operação, o poder de mercado da Vodafone sairia reforçado. No seu conjunto, estimou-se que estes efeitos levariam a uma perda de excedente de consumidor e a uma perda de bem-estar social na ordem, respetivamente, dos €54 milhões e dos €20 milhões por ano. Todos estes resultados apontaram, portanto, para uma deterioração do equilíbrio pré-concentração que, importa recordar, é um equilíbrio que já se afasta de um equilíbrio competitivo.

Efeitos Coordenados decorrentes da operação de concentração

Em termos de efeitos coordenados, concluiu-se que a operação de concentração seria suscetível de resultar no aumento da probabilidade, da sustentabilidade e do grau de coordenação de comportamentos por parte dos 3 principais operadores de mercado – a MEO, a NOS e a Vodafone. Para esta conclusão contribuiu, por um lado, a similitude das ofertas dos três principais operadores de mercado e, por outro, que da operação de concentração resultaria a eliminação do único operador – a Nowo – que apresenta ofertas diferenciadas e com preços mais baixos face aos restantes.
O reforço das barreiras à entrada decorrentes da operação, designadamente pela concentração de espectro na Vodafone – e que, consequentemente, deixaria de estar disponível para novos entrantes no mercado, no segmento móvel –, contribuiu, também, para a conclusão de que sairiam reforçadas as condições para haver uma coordenação de comportamentos entre os 3 principais operadores de mercado.
Nesse mesmo sentido, estimou-se, com recurso ao modelo econométrico da indústria desenvolvido pela AdC, que existiria um aumento dos incentivos à coordenação, já de si positivos no equilíbrio pré-concentração, decorrente da operação de concentração.

Conclusão da Avaliação

Tendo em conta o supra exposto, a AdC concluiu que a operação de concentração em causa é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos diversos mercados de telecomunicações, resultando da mesma impactos unilaterais e coordenados conducentes a aumentos significativos de preços, reforço do poder de mercado, reforço das barreiras à entrada e reforço das condições de equilíbrio cooperativo da indústria.

Compromissos apresentados pela Vodafone

A Vodafone apresentou um total de 4 Pacotes de Compromissos que visavam dar resposta às preocupações jusconcorrenciais identificadas pela AdC. Na sua versão final (4.º Pacote), os compromissos, grosso modo, envolviam:
        1) a venda, à Digi, dos direitos de utilização de espectro radioelétrico (“DUER”) reservados a novos entrantes adquiridos pela Nowo no âmbito do recente leilão para                           atribuição de frequências
         2) disponibilização de uma Oferta Grossista à Digi sobre a rede de fibra ótica detida pela Vodafone.
A AdC considerou que os compromissos, nas suas diversas variantes, apenas permitiam responder eficazmente à questão relacionada com o agravamento das barreiras à entrada resultante da retirada de mercado dos DUER originalmente reservados pela ANACOM a novos entrantes.
Nas demais vertentes, a AdC considerou que os remédios propostos, por um lado, apresentavam riscos de contorno e distorção e, por outro, não eram eficazes no seu propósito, na medida em que não permitiriam responder aos efeitos jusconcorrenciais adversos da operação de concentração.
De facto, a disponibilização da Oferta Grossista visava responder às preocupações jusconcorrenciais de índole unilateral e coordenada através, nomeadamente, da disponibilização de uma oferta grossista dirigida à DIGI e por meio da qual esta teria a possibilidade de aceder à rede de fibra ótica da Vodafone (acrescida pela pequena rede de fibra ótica da Nowo) e oferecer, nas zonas onde estava presente a Nowo, serviços aos seus clientes residenciais. Por este meio, alegadamente, manter-se-ia a concorrência que seria eliminada em virtude da concretização da operação de concentração, “substituindo-se” a Nowo pela Digi.
A AdC considerou, no entanto, que a entrada da Digi no mercado não está dependente da aquisição da Nowo pela Vodafone nem, por maioria de razão, da implementação da Oferta Grossista. O princípio de “substituição” Nowo-Digi enquanto resposta aos problemas jusconcorrenciais é, pois, um equívoco, uma vez que tem implícito que a entrada da Digi só ocorre por via do compromisso oferecido.
Desta forma, a presença da Digi no mercado foi considerada enquanto contrafactual, isto é, enquanto parte do cenário de referência na ausência da operação de concentração.
É expectável que o novo entrante venha a ter impactos positivos no mercado, levando a uma diminuição de preços e, também, dos incentivos à coordenação.
No entanto, o impacto da operação de concentração deve ser, e foi, avaliado única e exclusivamente em relação ao impacto marginal da aquisição da Nowo, já dando como certa a presença da Digi no mercado.
Os resultados da análise da AdC permitiram concluir que esse impacto marginal se mantém negativo, ou seja, o benefício decorrente da entrada da Digi seria menor na zona do footprint da Nowo, caso ocorresse a operação de concentração, do que seria na sua ausência.
Nestes termos, verificou-se que o compromisso proposto, para além dos riscos que acarreta e do nível de sobreposição das redes– a sobreposição entre a rede da Vodafone disponibilizada na oferta grossista e a atual rede da Nowo é limitada –, não responde eficazmente aos efeitos concorrenciais estimados da operação de concentração, mesmo considerando os termos melhorados da 4.º Pacote de Compromissos face às propostas de compromissos anteriores.

II – Cronologia
O procedimento iniciou-se a 7 de novembro de 2022 com a notificação da operação de concentração à AdC pela Vodafone.
As seguintes entidades apresentaram comentários e constituíram-se como terceiros interessados com direito a participar no processo: Grupo MEO; Grupo NOS; Associação Ius Omnibus, e; Digi PORTUGAL, Sociedade Unipessoal, Lda.
Foram solicitados, em cumprimento da lei, pareceres à ANACOM – Autoridade Nacional de Telecomunicações e à ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Em 5 de abril de 2023, a AdC decidiu dar início a uma Investigação Aprofundada por considerar que, perante os elementos recolhidos até à data, não se podia excluir que da operação de concentração resultassem entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou em parte substancial deste, prejudicando os consumidores (cfr. https://www.concorrencia.pt/pt/artigos/adc-abre-investigacao-aprofundada-operacao-de-aquisicao-da-nowo-pela-vodafone).
Nesta Decisão de Passagem a Investigação Aprofundada, a AdC identificava já, de uma forma detalhada e fundamentada, os problemas jus-concorrenciais decorrentes da operação de concentração. Realizaram-se também, já em fase de investigação aprofundada, um número considerável de reuniões de state-of-play com a Vodafone, as quais tiveram como objetivo proceder a um ponto de situação da investigação em curso e identificação atualizada das preocupações jus-concorrenciais decorrentes da operação de concentração.
Assim, pelo menos desde 5 de abril de 2023, data de adoção pela AdC da Decisão de Passagem a Investigação Aprofundada, a Vodafone foi informada das preocupações jus-concorrenciais que decorrem da operação de concentração.
Em 12 de dezembro de 2023, a Vodafone submeteu, ao abrigo da Lei da Concorrência, um conjunto de Compromissos com vista a afastar as preocupações jusconcorrenciais identificados na Decisão da AdC de 5 de abril. Este conjunto de compromissos foi rejeitado pela AdC em 17 de janeiro de 2024 por considerar que, no seu cômputo, não afastava os efeitos jusconcorrenciais — unilaterais e coordenados — identificados naquela Decisão e confirmados e quantificados nas diligências efetuadas no âmbito da Investigação Aprofundada.
Após a recusa de 17 de janeiro, a Notificante Vodafone apresentou 3 outros pacotes de compromissos: a 31 de janeiro (retirado em 26 de fevereiro); a 26 de fevereiro; e a 22 de abril.
Considerando a investigação conduzida, em particular em fase de Investigação Aprofundada, e o facto dos problemas jusconcorrenciais nela identificados não serem mitigados/eliminados pelos compromissos apresentados em 26 de fevereiro, a AdC emitiu, a 22 de março de 2024, um projeto de decisão de proibição, dando início à fase de Audiência Prévia da Vodafone e dos restantes terceiros interessados no procedimento. Esta fase decorreu até 22 de abril.
Em 22 de abril, a par das suas Observações ao Projeto de Decisão de Proibição, a Vodafone apresentou um 4.º Pacote de compromissos, o que levou a AdC a reabrir a instrução e a conduzir diligências complementares de investigação.
Em 29 de maio, após análise do 4.º Pacote de Compromissos e considerando-se que os problemas jusconcorrenciais não foram mitigados pelos compromissos apresentados, foi emitido um segundo projeto de decisão de proibição, e aberta uma segunda Audiência Prévia. Esta fase decorreu até 14 de junho.
Analisadas as Observações submetidas pelas intervenientes sobre o segundo projeto de decisão, e considerando que as mesmas não eram suscetíveis de alterar o sentido proposto de decisão, a AdC adotou na presente data uma Decisão de Proibição, nos termos do artigo 53.º, n.º 1, alínea b) da Lei da Concorrência, à operação de concentração Ccent. 55/2022 – Vodafone/Cabonitel.

III – Diligências

Conforme se disse atrás, o procedimento em causa obrigou à realização de 3 Audiências Prévias – 1 para efeitos de abertura da fase de Investigação Aprofundada, e 2 para efeitos de emissão de Decisão de Proibição.
Ao longo da instrução, a AdC solicitou, formalmente, elementos à Vodafone por 14 ocasiões (excluindo reiterações de pedidos de elementos respondidos de forma incompleta), e teve mais de 30 interações com terceiras entidades (ANACOM, INE, MEO, NOS, Digi, MásMóvil/Lorca, Lycamobile).
Ao longo do procedimento, a Notificante Vodafone exerceu o acesso à versão não confidencial do processo por 27 ocasiões (21 das quais em fase de Investigação Aprofundada).
Em fase de Investigação Aprofundada, a AdC solicitou a uma consultora uma estimação econométrica de um modelo de simulação. A Notificante Vodafone acedeu, através de consultores económicos em data room, à máquina virtual que, com todos os dados, códigos e demais condições infraestruturais de hardware e software, replicava exatamente a colocada à disposição da consultora, aquando da realização da estimação econométrica, assim permitindo aos consultores económicos da Vodafone consultar, analisar e avaliar livremente uns e outros elementos, bem como produzir análises distintas com metodologias alternativas.
Importa notar a especial complexidade do caso concreto, o qual incluiu, não só, a recolha e análise de vasta documentação interna da Vodafone, mas, também, uma extensa análise quantitativa, incluindo, por um lado, um modelo econométrico em que se identificou o “Efeito Nowo” e, por outro, um modelo (econométrico) de simulação dos efeitos da operação.