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AdC condena laboratórios e associação empresarial por envolvimento em cartel de testes Covid e outras análises clínicas

24-07-2024

AdC condena laboratórios e associação empresarial por envolvimento em cartel de testes Covid e outras análises clínicas

mau com luva de plástico segura teste covid

Comunicado 16/2024
24 de julho de 2024

A Decisão

A AdC condenou, em 17 de julho de 2024, uma associação empresarial e cinco dos principais grupos laboratoriais a operar em Portugal ao pagamento de coimas no valor global de €48.610.000 pelo seu envolvimento num cartel que operou no mercado português para a prestação de análises clínicas e testes COVID-19 entre, pelo menos, 2016 e 2022.
O cartel em causa, estabelecido entre os laboratórios e com a participação da associação do setor, teve por objetivo a fixação dos preços aplicáveis e a repartição geográfica do mercado de prestação de análises clínicas e de fornecimento de testes COVID-19.
A concertação entre os cinco laboratórios ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas com as quais negociaram o fornecimento de análises clínicas e de testes COVID-19, levando à fixação de preços e de condições comerciais potencialmente mais favoráveis do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços.
A capilaridade dos postos de colheita e a capacidade para a realização massificada de testes COVID-19 representavam um complemento fundamental para o esforço desenvolvido pelo Serviço Nacional de Saúde no combate à pandemia em Portugal. Foram realizados, em Portugal, até 30 de março de 2022, mais de 40 milhões de testes. 
Uma vez que o processo teve origem em pedido de dispensa ou redução da coima ao abrigo do Programa de Clemência, foi concedida dispensa da coima à empresa que apresentou o pedido e que cumpria todos os requisitos aplicáveis.
A presente decisão foi precedida por duas decisões condenatórias no mesmo processo, adotadas em 21 e 26 de dezembro de 2023, que resultaram do recurso ao procedimento de transação por parte de dois grupos laboratoriais multinacionais.
Estas empresas, através da adesão ao procedimento de transação, abdicaram de contestar a imputação da AdC e procederam ao pagamento voluntário das coimas aplicadas no valor global de €8.900.000, tendo optado por colaborar com a investigação e fornecer à AdC prova relevante da existência das práticas anticoncorrenciais em causa. Uma das empresas que recorreu ao procedimento de transação beneficiou ainda de uma redução adicional da coima ao abrigo do Programa de Clemência.
O procedimento de transação constitui um instrumento processual que tem por objetivo a adoção de decisões de forma mais célere e eficaz, promovendo o interesse público mediante a economia de recursos, a redução da litigância e o reforço da prevenção geral, na base da cooperação do visado e da respetiva recompensa mediante redução da coima.
O Programa de Clemência prevê um regime especial de dispensa ou redução da coima em processos de cartel investigados pela AdC. A primeira empresa a denunciar um cartel em que participe poderá beneficiar da dispensa da coima e as demais empresas que apresentem também pedidos no âmbito deste Programa poderão beneficiar de uma redução da coima, reduzindo-se a percentagem de redução progressivamente. Assim, no conjunto, este processo envolveu um total de sete grupos laboratoriais e uma associação empresarial, com um total de coimas aplicadas de €57.510.000, dos quais €8.900.000 foram voluntariamente pagos.
Não sendo possível excluir que algum ou alguns dos comportamentos investigados possam estar ainda em curso, a AdC impôs ainda às visadas a imediata cessação da prática.
Terminada a instrução do processo, a AdC conclui que a associação e os laboratórios visados acordaram a estratégia a adotar em negociações com entidades públicas, como SNS e a ADSE e privadas, como as seguradoras, que a eles recorreram para a prestação de análises clínicas e para o fornecimento de testes COVID-19.

A prática no período anterior à pandemia Covid-19
No âmbito da sua atividade, os grupos laboratoriais visados celebram convenções e protocolos com sistemas de saúde públicos e privados.
Neste contexto, de acordo com o que a AdC apurou, pelo menos desde 2016, os grupos laboratoriais visados acordaram não aceitar descidas de preços e boicotar a prestação dos serviços, caso fossem efetivamente confrontados com uma redução dos preços convencionados com o SNS, tendo acabado, aliás, por boicotar a aplicação do desconto estabelecido em Acordo celebrado com o Ministério da Saúde tendo em vista a sustentabilidade do SNS.
Os factos provados evidenciam que a pretensão dos grupos laboratoriais visados era, na realidade, a de promover um aumento geral dos preços, alterando o paradigma da determinação dos mesmos, focado na sustentabilidade.
A mesma prática de concertação verificou-se também por ocasião da redução do preço da análise à Vitamina D pela ADSE em outubro de 2016. Os grupos laboratoriais visados acordaram numa posição de reação e repúdio à referida redução, não obstante a redução ter ficado a dever-se a uma necessidade de controlo da despesa.
A mesma prática de concertação verificou-se ainda no contexto de negociações com seguradoras privadas. Os grupos laboratoriais visados acordavam na estratégia de alavancar as negociações com as várias seguradoras na força negocial da associação do setor, atuando os associados em conformidade, o que impediu, de facto, em determinados momentos, a redução dos preços, forçando as seguradoras a negociar nos termos determinados pelos grupos laboratoriais.

A prática durante a pandemia
A partir de março de 2020, os laboratórios visados concertaram entre si os preços para o fornecimento de testes COVID aos utentes do SNS e da ADSE e impuseram-nos nas negociações com a tutela. Os laboratórios visados ameaçaram, aliás, a tutela com um boicote ao fornecimento de testes COVID em represália contra as atualizações (reduções) dos preços convencionados.
Em plena pandemia COVID e na tentativa de coordenação de esforços para lhe dar resposta, a tutela voltou a necessitar de recorrer aos laboratórios privados para, em fevereiro de 2021, dar início à implementação de uma testagem massiva em escolas e creches.
Também neste momento, as visadas coordenaram entre si um preço com base nos seus próprios interesses comerciais e superior ao esperado. Os cinco laboratórios não só fixaram os preços dos testes Covid, como repartiram o mercado das escolas entre si.
A fim de permitir a reabertura das viagens entre o território continental e os Açores, a secretaria Regional da Saúde dos Açores celebrou uma convenção tendo em vista a prestação de testes COVID aos passageiros que viajassem do território continental para os Açores a realizar nas 72 horas que antecediam o respetivo voo. O mesmo tipo de comportamento de fixação de preços ocorreu no âmbito desta convenção.
Resumindo, os sete laboratórios visados mantiveram comportamentos que se traduziram na fixação de preços ou outras condições de transação, no boicote à prestação de serviço e na troca de informação comercial sensível no contexto da prestação de análises clínicas e de testes COVID com o SNS, ADSE e seguradoras privadas.
A taxa de crescimento anual do volume de negócios agregado na prestação de análises clínicas em território nacional em 2020 e 2021, correspondente ao período da pandemia, por parte dos grupos laboratoriais visados foi entre 50 e 60% em cada um dos anos.
Em setembro de 2020, o valor os testes COVID (PCR) estavam em Portugal, ao nível dos preços na Europa. Em junho de 2021, Portugal era o país da Europa com o preço por teste COVID (PCR) mais alto da Europa.

A investigação da AdC
A investigação foi aberta pela AdC em 24 de fevereiro de 2022, na sequência da apresentação de um pedido de clemência. A AdC recebeu ainda, posteriormente, um segundo pedido de clemência.
Em março de 2022, a AdC realizou diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto, com vista a investigar os indícios constantes do processo.
A Nota de Ilicitude foi adotada em 13 de dezembro de 2022, altura em que o processo deixou de estar em segredo de justiça, passando a ser público, nos termos do artigo 31.º da Lei da Concorrência.
Todas as visadas que o pretenderam fazer, exerceram os seus direitos de defesa e ao contraditório, apresentando a respetiva pronúncia à Nota de Ilicitude em março de 2023, requerendo audições e diligências completares de prova, que se realizaram em abril e maio de 2023.
As visadas tiveram também a oportunidade de, a todo o tempo, consultar a versão integral do processo nas instalações da AdC e obter cópias da versão não confidencial, nos termos e para os efeitos do artigo 33.º da Lei da Concorrência.

As coimas
As coimas impostas pela AdC são determinadas pelo volume de negócios das empresas no mercado afetado nos anos da prática. De acordo com a Lei da Concorrência, as coimas não podem exceder 10% do volume de negócios no ano anterior à data de adoção da decisão. Ao fixar a coima, a AdC tem em conta a gravidade e duração da infração, o grau de participação das empresas e a respetiva situação económica, entre outras circunstâncias (cf. Linhas de Orientação da AdC sobre metodologia na aplicação de coimas).

O combate a cartéis como prioridade da AdC
O combate a cartéis assume prioridade elevada para a AdC, atendendo aos prejuízos que invariavelmente causam às famílias e empresas, forçando-os a pagar preços mais elevados e reduzindo a qualidade e a diversidade dos bens e serviços à sua disposição.
Em 2021, perante o contexto de pandemia, a AdC definiu como prioridade manter-se “vigilante quanto à deteção de abusos ou práticas anticoncorrenciais que explor[ass]em a […] situação, por exemplo em matéria de combinação de preços ou de repartição de mercados, em qualquer nível da cadeia de abastecimento”.
A violação das regras de concorrência não só reduz o bem-estar dos consumidores, como prejudica a competitividade das empresas, penalizando a economia do país.
A decisão final da AdC é suscetível de recurso de impugnação judicial e não se encontra ainda transitada em julgado.
Para informação adicional sobre o processo PRC 2022/2 aceda à página eletrónica da AdC.