18-04-2021
AdC acusa pela primeira vez entidades de acordo anticoncorrencial no mercado laboral
Comunicado 04/2021
AdC acusa pela primeira vez entidades de acordo anticoncorrencial no mercado laboral
A Autoridade da Concorrência emitiu pela primeira vez uma Nota de Ilicitude (acusação) por um acordo de não-contratação de trabalhadores, neste caso, envolvendo a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e 31 sociedades desportivas.
Trata-se da primeira decisão relativa a uma prática anticoncorrencial no mercado laboral que pode ocorrer em qualquer setor de atividade e é punível nos termos da Lei da Concorrência.
A AdC acusou 31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019/2020 da Primeira e Segunda Ligas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) de terem celebrado um acordo restritivo da concorrência no mercado laboral, conhecido como “no poach”.
O acordo impedia a contratação, pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas, de futebolistas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho invocando questões provocadas pela pandemia Covid-19.
Por força deste acordo, um jogador que terminasse o seu contrato invocando razões relacionadas com a pandemia, não poderia ser contratado por outro clube da Primeira ou Segunda Ligas de futebol profissional em Portugal
Através de um acordo de não-contratação (no-poach), as empresas abstêm-se de contratar os trabalhadores umas das outras, deste modo renunciando à concorrência pela aquisição de recursos humanos, para além de privarem os trabalhadores de mobilidade laboral.
No presente caso, o acordo é apto a reduzir a qualidade dos jogos de futebol e, nessa medida, prejudicar os consumidores, por reduzir o ambiente competitivo entre os clubes, impedir a contratação de jogadores que poderiam colmatar lacunas das equipas de futebol e resultar na perda de jogadores das competições nacionais.
O processo foi aberto pela AdC em maio de 2020, na sequência de dois comunicados de imprensa emitidos pela LPFP em 7 e 8 de abril que faziam referência a uma deliberação/decisão com o objeto acima referido, adotada por acordo entre os clubes da Primeira Liga, com a participação do Presidente da LPFP, e à qual aderiram os clubes da Segunda Liga.
Face à natureza e características da prática em apreço, bem como ao potencial prejuízo, grave e irreparável, ou de difícil reparação, decorrente da mesma para o funcionamento concorrencial dos mercados, a AdC determinou, em 26 de maio de 2020, a adoção de medidas cautelares.
A AdC salienta que a adoção de uma Nota de Ilicitude não determina o resultado final da investigação. Nesta fase do processo é dada a oportunidade às empresas visadas de exercerem o seu direito de audição e defesa em relação ao ilícito que lhes é imputado e à sanção ou sanções em que poderão incorrer.
A Nota de Ilicitude (ou comunicação de acusações) foi adotada em 13 de abril de 2021.
O que são acordos de não-contratação ou “no-poach”?
Os acordos de não-contratação ou “no-poach” são acordos horizontais entre empresas, através dos quais as empresas se comprometem mutuamente a não fazer ofertas espontâneas ou a contratar trabalhadores às outras empresas com quem estabeleceram o acordo.
Estes acordos podem surgir em qualquer setor de atividade económica e são puníveis nos termos da Lei da Concorrência, uma vez que limitam a liberdade individual das empresas de definirem as suas condições comerciais estratégicas, neste caso, a contratação de recursos humanos.
Os acordos de não-contratação têm impacto nos mercados de trabalho e resultam numa redução do poder negocial dos trabalhadores face aos empregadores. Nessa medida, os acordos de no-poach podem ter como potencial efeito a redução do nível salarial dos trabalhadores, assim como privarem os trabalhadores da mobilidade laboral.
O tema tem assumido maior visibilidade na prática decisória de várias autoridades de concorrência a nível internacional, destacando-se, entre outros, os casos que envolveram várias empresas tecnológicas.
Este tipo de acordos pode ainda ter efeitos nos mercados do produto (ou a jusante), nomeadamente, ao introduzir uma ineficiência através da distorção da alocação do trabalho, ao limitar a quantidade e/ou qualidade dos produtos/serviços, bem como ao limitar a inovação nos setores em que a mobilidade da mão-de-obra seja um elemento relevante no processo de inovação a jusante. Nessa medida, os acordos de não-contratação de trabalhadores podem ter efeitos negativos nas condições de concorrência e eficiência nos mercados, em detrimento do bem-estar dos consumidores.
15 de abril de 2021